Muito se fala a respeito do aumento do número de pessoas com problemas emocionais e ainda hoje, muitos se referem às patologias da mente como sendo um “modismo” do mundo moderno. Infelizmente isso não é verdade e nosso cérebro, assim como qualquer outro órgão, sempre esteve predisposto em algum momento a falhar. Na própria bíblia, problemas emocionais estão descritos, como a história do rei Saul no Velho Testamento, que manifesta alterações de humor muito provavelmente compatíveis com o que denominamos hoje em dia de Transtorno Bipolar.
Apesar de tão antiga e extremamente pesquisada, ainda hoje a bipolaridade é um grande desafio até mesmo para os especialistas, por sua complexa e heterogênea apresentação clínica, tendo vários aspectos polêmicos relacionados ao próprio diagnóstico, às prováveis causas e também as intervenções terapêuticas. O maior problema em toda essa complexidade são os prejuízos para aqueles que sofrem com essa doença tão enigmática.
Os dados de pesquisas apontam que o diagnóstico ocorre, em média, dez anos após as primeiras tentativas de tratamento, sendo nesse período realizado muitas vezes outros diagnósticos, incluindo, por exemplo, o Transtorno de Personalidade Borderline, o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e principalmente a Depressão (especificamente a Depressão Unipolar, classicamente conhecida como Transtorno Depressivo Maior). Isso tem uma implicação crucial, pois quando tais diagnósticos são feitos de forma errada, tratamentos também são feitos de forma errada, o que pode inclusive agravar o quadro clínico apresentado. Isso é mais grave ainda no caso do Transtorno Bipolar, pois ele responde por um quarto de todos os suicídios que ocorrem atualmente.
Conforme foi especificado acima sobre a Depressão como uma das maiores responsáveis sobre os erros diagnósticos em relação ao Transtorno Bipolar, isso ocorre justamente pelo fato de que no Transtorno Bipolar há a presença em vários momentos de sintomas depressivos (Depressão Bipolar) e tais sintomas são os mesmos que ocorrem numa Depressão, porém ao contrário da Depressão, no Transtorno Bipolar a principal característica é a instabilidade.
Essa instabilidade se apresenta de diferentes maneiras, seja com predominância de sintomas do polo depressivo, do polo oposto (denominado de euforia ou mania), misto (presença simultânea dos sintomas depressivos e de euforia), além de períodos de ausência de sintomas (também denominado de eutimia). A instabilidade pode ser percebida no estado emocional, variando de uma tristeza profunda a uma felicidade excessiva ou em um excesso de irritabilidade a uma apatia. A autoestima pode permanecer por períodos de forma elevada, tendo a pessoa um excesso de confiança, às vezes chegando até a uma onipotência e alternando com momentos de um sentimento de inferioridade com autoestima baixa.
Os próprios pensamentos também podem oscilar em determinados momentos, indo de um otimismo excessivo a um pessimismo catastrófico. Assim também, o fluxo das ideias podem em certos períodos ficar acelerado, sendo difícil muitas vezes até mesmo organizar essas ideias devido à rapidez com que elas passam através dos pensamentos, porém em outros períodos pode ocorrer uma lentificação psíquica, dificultando até mesmo o raciocínio. Nesses opostos, ficam evidentes alguns momentos de um aumento de energia e de disposição que levam a pessoa a fazer muitas coisas, podendo inclusive ficar mais produtiva, ocorrendo muitas vezes uma necessidade diminuída de sono (dormir de 2 a 4 horas à noite é o suficiente para estar bem descansado no dia seguinte) e momentos de um cansaço e desanimo constante que dificultam até exercer as funções básicas do dia a dia.
É importante se destacar aqui que não estamos falando de uma simples instabilidade que, aliás todos nós temos, inclusive como forma de nos adaptarmos as diferentes situações que vivenciamos. Ou seja, é esperado o sentimento de tristeza diante de uma perda de emprego, assim como, dormir menos em uma semana de provas na faculdade é adaptativo e muitas vezes necessário para conseguir ter um bom desempenho. Essas variabilidades das funções psíquicas que apresentamos nos ajudam sendo fundamentais para nossa adaptação às exigências do ambiente, porém no Transtorno Bipolar a instabilidade por ser excessiva, não é adaptativa e funcional, e por isso acarreta prejuízos (às vezes só reconhecidos por aqueles que convivem com a pessoa e não pelo próprio indivíduo) e/ou também sofrimento para o indivíduo.
Até pode parecer simples quando se olha dessa maneira o Transtorno Bipolar, porém na prática clínica a realidade é um pouco mais complexa, não somente pela falta de exames laboratoriais para o diagnóstico. Conseguir por meio de uma avaliação clínica com dados fornecidos pelo indivíduo e familiares, identificar essa instabilidade patológica não é fácil, muitas vezes devido à enorme variabilidade dos sintomas e dos diferentes níveis de gravidade que a bipolaridade tem e por isso até, denominada por alguns pesquisadores de Espectro Bipolar.
O tratamento inclui necessariamente o uso de medicações, especialmente os estabilizadores do humor. A psicoterapia também é muito importante, com evidências científicas bem estabelecidas para a abordagem da Terapia Cognitivo Comportamental e de que o tratamento combinado envolvendo a medicação e a psicoterapia são os que apresentam os melhores resultados. Em todo esse processo terapêutico a participação familiar é essencial.
Portanto, apesar de vivenciarmos uma era de um enorme avanço na medicina, patologias como o Transtorno Bipolar são ainda hoje desafios, inclusive para especialistas na área, porém a informação, o conhecimento e a ausência de preconceito pelas pessoas devem se tornar aliados no enfrentamento desses obstáculos.
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